Juan F. Meleiro

Personal website

A Internet trouxe um problema peculiar. A humanidade sempre produziu muito conteúdo – dentre livros, peças, músicas, etc –, mas nem sempre tivemos tanta possibilidade de acesso. Afinal, já foram escritos cerca de 130 milhões de livros (muito mais do que qualquer pessoa poderia ler na sua vida), além de centenas de milhares de filmes só no IMDb, entre tantas formas de conteúdo a que podemos ter acesso. Mas com as centenas de horas de vídeos enviadas ao Youtube todo minuto, com os milhares de tweets por segundo, e tantas outras plataformas, a diferença é que é possível acessá-los instantaneamente. Além disso, a facilidade de acessar qualquer conteúdo na Internet é relativamente próxima – basta saber onde encontrá-la.

Enquanto no passado o acesso a novos conteúdos se baseassem nas recomendações pessoais, ou em publicações especializadas, ou na simples deriva ao longo de novos lançamentos, hoje isso já não é mais possível.

De uma forma ou de outra, das tantas organizações que existem em torno da Internet, conseguimos encontrar algum tipo de solução. São aquelas tão chamados algoritmos das redes sociais. Onde há oportunidades e meios de se lucrar, o mercado não tarda a preencher a vaga. Se a quantidade de conteúdo disponível hoje é muito maior do que qualquer ser humano poderia manualmente filtrar, colocamos as máquinas para fazê-lo.

A pergunta do porquê emergiram as grandes redes sociais, ou porque esses algoritmos tomaram conta da distribuição de conteúdo são perguntas demasiado complexas para serem discutidas num post. Mas o fato é muita gente tem sua interação com grande parte do conteúdo gerado na Internet mediada por softwares escritos por um pequeno número de agentes.

E vale a pena pontuar que esses programas não ocupam apenas o espaço que lhes caberia para resolver o conteúdo. Afinal, uma vez que se conheça uma fonte de conteúdo interessante (uma banda, autor, youtuber ou personalidade pública), é de se esperar que a tecnologia necessária para acompanhar os novos conteúdos é não mais complexa do que um leitor de RSS. Mas os algoritmos das plataformas que foram mencionadas também cuidam dessa relação. Uma “assinatura” no Youtube, por exemplo, é muito menos uma assinatura no sentido antigo das revistas e jornais e mais uma recomendação ao algoritmo do que pode te interessar1. Esse poder é tremendo, porque agora os algoritmos – e, verdadeiramente, as empresas – tem o poder unilateral de influenciar o que bilhões de pessoas acessam ou não acessam. E isso sem absolutamente nenhuma transparência.

Mas se essa é a realidade em que vivemos, como poderíamos combater essas distorções? Existem soluções de grande escala – análogas a qualquer combate ao poder excessivo de grandes organizações. Mas também existem soluções individuais. Por exemplo, eu mesmo tento desviar da influência dos algoritmos isolando os contextos em que podem interferir na minha relação com criadores de conteúdo. Faço isso usando um leitor de RSS, que efetivamente desacopla as etapas de descobrimento de conteúdo daquela do consumo do conteúdo. Enquanto ainda vejo as recomendações do Youtube, acompanho os canais que assino usando o tal leitor. Assim, esquivo o filtro do algoritmo2.

Além disso, é possível buscar usar serviços que preservem a sua privacidade, como o DuckDuckGo ao invés do Google. Dessa forma, o seu histórico de navegação não é usado para orientar os algoritmos a te oferecer conteúdo, evitando assim alguns efeitos de bolha.

Algumas soluções parcialmente sociais envolvem o uso de plataformas descentralizas. O isolamento é uma das formas que as grandes plataformas de conteúdo mantém o seu poder. Apesar de estar quase inteiramente insatisfeito com o Facebook, ainda o acesso – porque é lá que está toda a minha rede e é lá que publicam as páginas que acompanho. Se o conteúdo do Facebook fosse acessível de outras redes sociais, provavelmente já teria trocado para uma das inúmeras pequenas alternativas que existiriam. Parece estranho? Bom, não consideramos estranho que seja possível mandar e-mails para pessoas que não usam o mesmo cliente de e-mail que nós. Posso usar o Thunderbird, ou o Outlook, ou o Gmail, mas ainda assim posso me comunicar com qualquer pessoa que use qualquer outro desses softwares, pois todos usam os mesmos protocolos.

Plataformas como Whatsapp, Telegram, ou redes sociais como as já mencionadas, retiram a mobilidade dos usuários ao tornarem a mudança para outro serviço não mais uma decisão individual, mas sim um problema de coordenação. Afinal, não faz sentido sair da plataforma em que toda a sua rede está – seria necessário que toda a rede saísse. Isso parece impossível.

Mas existem alternativas – descentralizadas, abertas – que, embora exijam tal coordenação para uma mudança, depois disso eliminariam esse problema ao todo. O conjunto de protocolos Matrix, por exemplo, permite comunicação “segura, decentralizada, em tempo real”, que, analogamente ao e-mail, tem suporte a múltiplos servidores, que por sua vez podem ter suporte a múltiplos clientes. Isso é conhecido como arquitetura federada. Caso um desses provedores (donos dos servidores) tenha políticas de privacidade questionáveis, ou por ventura um algoritmo de recomendação tendencioso, é possível mudar para outro provedor – mas mantendo o acesso a todo o conteúdo que se tinha antes; todos os posts das mesmas pessoas, todas as publicações das mesmas páginas.

Isso tudo não é nada novo. Já existem tecnologias desse tipo a muito tempo. Os próprios blogs são uma coisa do tipo, embora não tenham a conveniência de não precisas criar um site próprio, e não estejam integrados numa mesma base de dados estruturada pesquisável. Mas redes sociais como a Usenet já existem desde os anos 70, com muitas das funcionalidades que esperamos de redes sociais hoje.

Afinal, as soluções seriam as seguintes:

Um bônus é que esse tipo de plataforma descentralizada também acaba com o problema comum de pessoas abusando desses algoritmos3. Uma corrida armamentista um tanto ridícula que só existe porque nossos sistemas concentram o poder de decisão e, portanto, apresentam pontos únicos de falha.


  1. Veja este video do canal Veritassium, ao redor da marca dos 11:15, em que ele explica brevemente como funciona esse mecanismo. Recomendo, no entanto, o video inteiro.↩︎

  2. O mesmo video citado anteriormente também elabora sobre esse assunto.↩︎

  3. O canal SmarterEveryDay tem um video dedicado a explorar essa ideia.↩︎